De quem e com quem ri o palhaço?

De quem e com quem ri o palhaço?

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Hoje, durante o meu horário de almoço, escutei a conversa de duas funcionárias de um banco sobre uma colega que está deprimida. Fiquei impressionado com o quanto as pessoas de fora da área estão desinformadas sobre saúde mental. As simpáticas opiniões que uma das moças fazia à colega variavam entre elogios à sua beleza e as sugestões de ir a uma academia e de usar medicação para “lutar contra essa doença”. Confesso que fiquei decepcionado.

Decepcionado com a falta de habilidade da minha classe profissional em capilarizar informações sérias e razoáveis sobre saúde mental. Sem dúvida, precisamos aprender a falar sobre saúde mental de forma pragmática, com sensibilidade e no contexto do cotidiano.
 

Com essa preocupação, vejo com bons olhos um filme como o “Coringa”. Gosto de observar como seu sucesso fomenta os mais diversos debates. Por exemplo: ele realmente incita e/ou alimenta ideologias violentas? Talvez. Sem dúvida, é possível olhar para a história no filme usando um pensamento psicológico que procura, nas razões constitutivas, sociais, biológicas e históricas de um sujeito, as causas capazes de explicar uma ação criminosa em seu modo de existir no mundo com os outros. Esse tipo de pensamento é justificável, afinal, nossa psicanálise contemporânea é arrojada o bastante para permitir ouvir com sensibilidade a sutileza do sofrimento do personagem Artur quando ele diz que, por muito tempo, duvidou de sua existência – sofrimento que é emudecido pelo colapso do sistema de proteção social do Estado. Nessa cena magistral do filme, podemos nos sensibilizar pelo puro terror da experiência direta de um sujeito que, com seu sorriso largo de manticora e sua risada fora de hora, sofre até as entranhas quando tem a certeza do desmoronamento existencial que Binswanger poética e precisamente descreveu em seu livro sobre as formas malogradas da existência como “a perda de familiaridade com o mundo”. Tormento que encurta os projetos existenciais de alguém que vive apenas um presente falso, pois achatado e sombreado por uma realidade psíquica sem qualquer passado histórico real ou futuro que não seja a certeza da ruína – realidade psíquica que é promotora de desespero, o que, no caso de Artur, toma proporções psicopáticas quando não encontra um dispositivo de saúde devidamente aparelhado. Temos, a partir disso, inúmeras pautas de debate importantes.
 

De outro ponto de vista, sabemos que máscaras podem ser usadas tanto por pessoas que precisam proteger suas identidades para sustentar denúncias importantes como por covardes que usam do anonimato para vituperarem indiscriminadamente, fomentando todo o tipo de ódio e destruição que influencia o comportamento das massas. É desse ponto nodal que vejo a necessidade de nos mantermos atentos para um risco que nossa disciplina comporta, o de justificar, erroneamente, a ação criminosa daqueles que afundaram na tragédia humana por qualquer infortúnio. Fica posta a necessidade de os profissionais de saúde aprofundarem seu conhecimento teórico e técnico para melhor tratarem os sofrentes e discernirem com responsabilidade quando alguém ri por desespero de um Coringa que ri de você e de mim.
 

Prof. Esp. MSc. Bartholomeu de Aguiar Vieira Psicologia Clínica  
Pós-graduação em Psicologia Clínica Psicanalítica: Teoria e Prática Clínica, de Freud a Winnicott

 

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