Prof. Coord. Marcio de Cassio Juliano
Pós-graduação em Gerenciamento da Mobilidade Urbana
(todas as fotos citadas no texto estão na galeria)
Um descaso com o uso do dinheiro público, uma amostra de indiferença com os usuários do transporte coletivo e um exemplo de total falta de planejamento estratégico.
O termo “gerenciamento da mobilidade urbana” surgiu como um conceito que preza pela convergência do bem-estar da população, da preservação ambiental e da otimização do uso do espaço urbano e do dinheiro público.
Em outras palavras, o gerenciamento da mobilidade urbana tem o objetivo de criar e propor alternativas de locomoção nas cidades que reduzam o tempo da viagem, proporcionem conforto aos usuários e minimizem os impactos negativos ao meio ambiente e ao uso das vias públicas.
Por conta disso, é de primordial importância que se pense em meios de transporte que motivem a sua utilização em detrimento da utilização dos veículos automotores particulares.
O exemplo do VLT da cidade de Cuiabá, capital do Estado de Mato Grosso, é algo a ser abominado pela quantidade de recursos que foi investida no projeto que ainda (após mais de 4 anos de atraso) está longe de entrar em operação e beneficiar os cuiabanos.
Um exemplo igualmente abominável está na cidade de São Paulo e recebe a denominação de Expresso Tiradentes (antigo Fura-Fila). Esse projeto já consumiu mais de R$ 1,2 bilhão, segundo reportagem de Fabrício Nobel, publicada no jornal Folha de São Paulo na sua edição de 12 de setembro de 2018. Contudo, não é só a cifra estratosférica que causa espanto e estranhamento. O projeto já dura mais de 20 anos e continua inacabado. Mais que isso, foi totalmente desfigurado e possui clara evidência de falta de planejamento, irracionalidade na sua concepção e descaso com o uso do dinheiro público para beneficiar grupos políticos e grandes empresas em detrimento do bem-estar e do conforto da população.
Vamos aos fatos...
O projeto da via foi idealizado considerando um veículo diferente dos que rodam atualmente na faixa. Deveriam ser trólebus (ônibus movido a eletricidade) guiados por roletes laterais, o que proporcionaria uma velocidade maior dos veículos, passando dos atuais 50 km/h para até 80 km/h, tornando também o sistema autônomo e transformando o motorista em um supervisor de operações, igual ao que acontece nos trens e no metrô.
Inicialmente o projeto previa um corredor exclusivo de ônibus movidos a eletricidade (trólebus), no qual o veículo trafegaria sobre pneus rolando em guias (como se fossem trilhos), ligando o Parque Dom Pedro, localizado na zona central da cidade, ao extremo leste da cidade, mais precisamente ao bairro Cidade Tiradentes, conforme ilustra a Figura 1 da galeria.
Entretanto, o projeto foi sendo alterado ao longo dos anos e, por questões políticas que se sobressaíram e prevaleceram sobre as questões técnicas e racionais, houve profundas mudanças na sua concepção. A ideia das guias (trilhos) foi abandonada, e os veículos (movidos a óleo diesel) atualmente trafegam no corredor exclusivo com total dependência do motorista para cumprir o tempo planejado para o trajeto.
Mas o pior aconteceu em 2009, quando o projeto original do fura-fila, que previa os trólebus até o bairro de Cidade Tiradentes foi drasticamente alterado. Mais precisamente no dia 28 de abril de 2009, o prefeito e o governador da época anunciaram um convênio para alterar as características do projeto, modificando inclusive o seu nome para Metrô Leve Expresso Tiradentes, substituindo o corredor e os veículos sobre rodas pelo sistema monotrilho. Para se ter uma ideia do impacto dessa escolha no investimento, o custo do projeto do monotrilho é de R$ 70 milhões a R$ 95 milhões por quilômetro, e o do Fura-Fila com trólebus previa R$ 12 milhões por quilômetro. No entanto, ambos possuem a mesma capacidade para transporte de passageiros por hora/sentido, que é de 30 a 40 mil.
Essa alteração não foi pior apenas por conta da considerável elevação do investimento do dinheiro público; ela criou um sistema de transporte que exige a transferência dos passageiros para continuar a sua viagem e uma aberração arquitetônica totalmente inexplicável, desnecessária e sem fundamento.
O trecho entre o Parque Dom Pedro e o Terminal Vila Prudente é realizado por veículos sobre pneus, e daí para a frente (no sentido do bairro de São Mateus), o percurso é realizado por monotrilho.
Constate você mesmo (nas Figuras 2 e 3) que os trechos se encerram abruptamente onde deveriam ser contínuos, e não interligados por terminais, em um evidente sinal de falta de bom senso e racionalidade.
Na Figura 4 é possível visualizar a aberração urbana causada pelas alterações do projeto, fornecendo a dimensão da distância que separa um modal de outro na interligação conjunta com a estação Vila Prudente da linha 2 (verde) do Metrô.
Além da questão arquitetônica e das diferenças dos modais, a administração da operação dos sistemas é realizada por diferentes esferas públicas (o trecho do ônibus é de responsabilidade da Prefeitura e o do monotrilho do Estado), e ambos sofrem pela carência de um gerenciamento efetivo do sistema, o que é possível constatar pelos frequentes atrasos, pelas interrupções na operação e pelos acidentes como o que ocorreu recentemente no Monotrilho Expresso Tiradentes (graças a Deus, sem vítimas), ilustrado na Figura 5.
A proposta do gerenciamento da mobilidade urbana é justamente a de evitar esse tipo de desperdício de dinheiro público, otimizando a aplicação dos recursos em projetos sérios e relevantes, que realmente estimulem o usuário (passageiro) a deixar o seu carro em casa e a utilizar o transporte coletivo, melhorando assim a qualidade do ar, reduzindo o tempo dos trajetos e os custos de manutenção das vias.
Mas, o que falta para chegarmos a esse patamar?
Precisamos de mais profissionais habilitados e munidos de sólidos conhecimentos sobre como gerenciar a mobilidade urbana, para fortalecer os argumentos racionais que possam combater os interesses políticos e otimizar os investimentos de forma a beneficiar o principal interessado nessa história toda, que é o cidadão que contribui para esses investimentos pagando na integralidade os impostos cobrados pelo poder público.
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