A relação das crianças com o mundo virtual

A relação das crianças com o mundo virtual

image


Um lado que me preocupa muito no mundo virtual é sobre a infância. Até aqui, poderíamos dizer que eu estava falando de pessoas que tem um psiquismo constituído, que pode pagar pelo preço de sua liberdade, jovens e adultos. Agora, quando falamos de crianças, a situação é bem diferente. 
 
Já está mais do que comprovado que máquina não forma humanos. O ser humano nasce muito dependente de alguém, outro ser humano, que lhe cuide e faça toda uma série de funções psíquicas que somente um humano pode fazer. A importância de um adulto cuidador sobre a constituição psíquica da criança já foi largamente comprovada e não pode ser substituída. Então, o uso de instrumentos tecnológicos deve ser feito mais num sentido de ampliação do que de substituição. 
 
Nós pais, sabemos que muitos desses instrumentos podem contribuir com várias habilidades. Temos aplicativos musicais, educacionais ou jogos que enriquecem muito em termos pedagógicos, pois as crianças desenvolvem habilidades específicas. 
 
Mas os brinquedos estão ficando tão atraentes e interessantes que acabam se tornando um perigo. Estes dias me mostraram um vídeo game chamado X-Box que tem uns jogos muito bacana, as imagens e as interações são de uma beleza fantástica. No dia eu soltei uma frase: “Ainda bem que isso não tinha na minha época”, porque aquele jogo era tão bonito e legal que parecia certo que eu iria jogar muitas horas, se não fosse pela maturidade. Mesmo assim, minha geração vivenciou os tempos das Lan Houses, de passar a madrugada jogando e comendo pizza com os amigos. Sobrevivemos. 
 
Tem alguns brinquedos e jogos que são tão legais, do ponto de vista da tecnologia, que a criança nem precisa brincar. Ela simplesmente assiste o brinquedo fazendo um espetáculo. Torna-se uma expectadora da brincadeira. O que é um perigo em termos psíquicos porque vai influenciar diretamente na capacidade de a criança fantasiar, desejar, inventar estórias, cantarolar, envolver os outros nas suas narrativas, ter criatividade e espontaneidade. 
 
Lembra do que falamos agora pouco sobre o sagrado? O excesso de tecnologia na vida de uma criança tem essa capacidade de aniquilar este espaço. 
 
As consequências podem ser desastrosas já que o psiquismo da criança está se constituindo e precisa fantasiar, criar, destruir, reinventar e transformar o tempo todo. Veja, de modo geral o que define uma criança é o brincar. É o que elas fazem por excelência. E, uma criança pode brincar com qualquer coisa porque o que importa não é o brinquedo, mas a fantasia que ela tem dentro dela. Então uma tampinha de garrafa, algumas pedras, uma bola e um galho, podem entreter uma criança o dia todo se ela estiver com sua atividade de fantasiar a todo vapor. 
 
Os psicanalistas que trabalham com crianças têm percebido cada vez mais o número de crianças com agendas superlotadas que nos momentos de intervalo acham “fazer nada” uma chateação. Este espaço para “fazer nada” é justamente o espaço para o brincar, espaço que só pode ser sustentado com desejo e fantasia. Se estamos organizados de modo a sermos espectadores das brincadeiras, é muito difícil passar para o lado da ação, da invenção. Esta questão vai esbarrar na vida adulta também, com a imensa dificuldade que muitos adultos encontram em divertir-se sozinhos, como se estivessem esquecido, ou nunca aprendido, como é brincar com a própria vida. É uma situação muito comum nos tempos atuais. 
 
Portanto, gostaria de apontar este cuidado que precisamos ter com nossos filhos no sentido de usar tecnologias mais como enriquecimento do que como substituição. É uma tentação enorme dar um Ipad ou um smartphone e deixar que estes cuidem das crianças. Os pais têm muitos motivos para isso: excesso de trabalho, culpa por não estar com o filho, eles também querer estar online, não conseguem frear o filho já que todos amiguinhos usam a tecnologia, enfim. 
 
A sociedade precisa apoiar estes pais cada vez mais no sentido de cuidarem dos filhos, por isso é extremamente importante que as mães tenham licença maternidade e os pais licença paternidade, que a mãe possa amamentar os filhos no trabalho, que estes tenham uma carga de trabalho onde sobre tempo para estar com os filhos, entre outros aspectos.
 
 Para além disso, é importante lembrar os pais que eles sabem como cuidar dos filhos. A função principal do psicanalista está nisso, de resgatar nos pais o saber sobre seus próprios filhos. Este saber não está apenas na escola, nem apenas no médico, ou no psicólogo e muito menos nas tecnologias. Este saber é um legado nosso transmitido entre as gerações. 
 
Encerro por aqui, espero que tenha ficado claro que para além do bem ou mal, está o tipo de uso que fazemos das redes virtuais. Estes lugares têm características únicas que podem sobrepujar o tipo de uso e por isso devemos estar atentos, principalmente na infância. É sempre importante lembrar que existe um botão chamado “Desligar”!
 
0800 767 8727 | (11) 2714-5699